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​​A EDUCAÇÃO DE ANARQUISTAs - ONTEM E HOJE

        Quando nos referimos a Educação Libertária, imediatamente nos remetemos à uma filosofia política que a fundamenta que é o Anarquismo. O adjetivo Libertário foi dado pelos anarquista à Educação que eles se propuseram a realizar.

 

            Para pensar/analisar o que foi e o que é a Educação Libertária é fundamental ter em conta o seu caráter plural e diversificado de ideias e práticas que se unificam em alguns princípios gerais como a Autogestão, o anti-autoritarismo, a ação direta e o apoio mútuo. A partir desses pressupostos éticos, encontraremos um conjunto de múltiplas experimentações que foram realizadas no passado e que são realizadas no presente pelos anarquistas.

             

            Mas como  seria possível um anarquista, com toda a carga negativa que este conceito teve e ainda tem, ser um educador? Se a anarquia foi e continua sendo para muitos, sinônimo de caos, baderna e rebeldia, o que uma educação feita por anarquistas ensinaria? Essas perguntas acompanharam e acompanham a Educação Libertária e anarquista até hoje. Assim como a pergunta existiu uma Educação Anarquista? Como foi? Existe hoje uma educação narquista? Como é? E a resposta mais coerente que podemos encontrar talvez seja a de que a educação dos anarquistas teve, em toda sua bela história (ainda pouco conhecida na academia) por objetivo exatamente formar indivíduos libertários, rebeldes, ou seja, espíritos livres capazes de se rebelar contra tudo que ameace sua liberdade. Motivo pelo qual, em uma sociedade da ordem como a que predomina na contemporaneidade, esse tipo de educação necessariamente torna-se perigosa e, portanto, inaceitável. Principalmente para todos aqueles que objetivam com a educação exatamente o contrário do que buscam os anarquistas, ou seja, a formatação de indivíduos disciplinados, obedientes às leis, passivos e tementes a todo e qualquer tipo de autoridade. Adestrados para integração ao moedor humano que se chama civilização industrial.

 

            O fato é que, se a palavra grega ἀναρχος, anarkhos, significa "sem governantes", ela  tornou-se, sinônimo de caos, baderna, desordem e rebeldia. Todavia, coetâneas a essa interpretação encontraremos, ao longo da história, ideias e comportamentos que afirmaram o seu sentido positivo, antagônicos a esse determinismo, fruto do pensamento e da ação de indivíduos que não aceitavam nenhum tipo de autoridade que não fosse a sua própria.

           

            Portanto, a Anarquia como ideia e o Anarquismo como prática, bem mais do que elementos de uma filosofia política, ou doutrina ideológica, consistem de um ethos, um comportamento, uma forma de vida, ou  como diz Tomás Ibañez um movimento e, portanto, um vir a ser, um devir, algo em permanente transformação. Por isso, para se referir ao anarquismo/anarquia seja necessário sempre falar no plural. Ou redefini-lo sempre, dado que, como afirmou Émile Armand, o anarquismo nada mais é do que um procedimento para se chegar ao mais além...

 

            Mas o que significaria esse mais além na ética/procedimento anarquista? Mais além do quê? Talvez do mundo em que se vive. Mais além do homem que se é; de como se vive no mundo. Poderíamos, portanto, encontrar nesse ethos libertário anarquista o espírito livre e o Único de Stirner?  Ou o super-homem extemporâneo de que nos falava Nietzsche? Talvez algo mais simples, mas não menos significativo, que se aproxima mais da definição de Émile Armand de que o primeiro anarquista foi aquele que deliberadamente reagiu contra a opressão de um ou de alguma coletividade.

 

            Dessa forma, ao olharmos para nossa sociedade moderna, fundamentada no autoritarismo e na  opressão  de uns sobre os outros,  podemos dizer que é possível reconhecer alguns destes tipos humanos, os anarquistas, seja no passado ou no presente, que reagiram e reagem a essa lógica e que também como portadores de uma Ideia, encontraram na educação uma importante ferramenta para a reprodução de seu ideal de vida e de ser humano.

 

            Inconformados, espíritos livres, revoltados, revolucionárias, visionários, utópicas e rebeldes, enfim, libertários. Assim foram denominados esses tipos humanos desde a antiguidade, tais como Sócrates, Diógenes, Epicuro, passando pela Renascença com Rabelais, Erasmo de Roterdã, Montagne, chegando no Século das Luzes com Willian Goodwin, posteriormente Stirner e encontrando finalmente, na segunda metade do Século XIX, um tipógrafo rebelde francês de nome Pierre-Joseph Proudhon que tornou-se o primeiro à autodenominar-se anarquista. Proudhon, como um dos pais do pensamento anarquista moderno, positivou um conceito historicamente negativo efundou uma Filosofia Política. Deu um sentido novo a um ethos libertário, caracterização  corroborada por Sebastien Faure quando definiu como anarquista todo aquele que nega a autoridade e luta contra ela. A partir daí novos rebeldes reivindicaram para si não só o título de anarquista, mas a prática de um comportamento antiautoritário, baseado no livre agir e pensar.

 

            Podemos encontrar as origens de uma proposta de Educação Libertária a partir da crítica de Willian Godwin à nascente proposta de educação obrigatória estatal do iluminismo. Posteriormente  Proudhon e Bakunin  elaboram os conceitos de Educação politécnica e Instrução Integral, respectivamente.  Proposições que serão implementadas no final do século XIX e inicio do XX,  por Paul Robin, o primeiro pedagogo anarquista; pela experiência da Educação Libertária camponesa de Tólstoi,  a  Colmeia de Sebastién Faure e a Escola Moderna de Francisco Ferrer, que se tornaria o paradigma da Educação Anarquista em várias partes do mundo.

 

            Essas ideias de Educação Libertária chegarão ao Brasil trazidas por muitos anarquista que compunham a massa de operários imigrantes europeus que chegam ao país como mão de obra da nascente industrialização capitalista. Sem escolas para seus filhos e para si próprios,  os anarquistas, a partir de seus sindicatos organizam os Ateneus e Escolas Modernas como ação direta e autogestionária no campo da Educação. Constroem assim as primeiras experiências de Educação Popular nas duas primeiras décadas do Século XX. Um feito pioneiro que permanece ainda desconhecido pela historiografia oficial sobre educação.

 

            De norte a sul do país operários, sindicalistas, escritores, jornalistas, poetas, homens e mulheres se convertiam em educadores libertários anônimos e desconhecidos ainda hoje. Fundadores de Escolas Modernas como João Penteado em São Paulo; educadoras como Maria Lacerda de Moura e as libertárias gaúchas como Malvina Tavares, natural de Encruzilhada do Sul, professora, poetisa e anarquista, pioneira do método de educação de Francisco Ferrer, foi educadora de uma geração de libertários gaúchos atuantes no nascente sindicalismo gaúcho; as Irmãs Martins, professoras da escola Moderna ; Zenon de Almeida, sapateiro, intelectual, jornalista e teatŕologo, que atuou em Pelotas com Victor Russomano entre os anos de 1914 a 1919,  fundando jornais operários, Grupos de Teatro ,Ateneus e Escolas Livres;  Djalma Fetterman, operário, poliglota e filósofo autodidata foi o  fundador da Escola anarquista Élise Reclus em 1906(a primeira escola anarquista do país) e a  Moderna de Porto Alegre em 1917 . Lemabramos ainda Leopoldo Bettiol, Florentino de Carvalho, entre muitos outros.

 

            Todavia, passados quase cem anos dessas experiências educacionais libertárias e o seu   desaparecimento após um processos de repressão brutal aos anarquistas em todo o século XX e posterior predomínio do controle da educação pelo Estado, presenciamos nestas primeiras décadas do século XXI o ressurgimento de ações culturais-educacionais realizadas por grupos e coletivos libertários expressos em novas práticas para além das instituições estatais de ensino. Que experiências são essas? Qual a relação que mantém com os pressupostos da educação libertária do passado? Onde se encontam? Quem são os anarquistas que as realizam?

 

           É sobre a ação Educacional dos Anarquista no passado e no presente que o GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA & ANARQUISTA – GPEL&A da UFPel, realiza nos dias 17, 18, 19, 20 a 1 Jornada de Educação Libertária de Pelotas.

 

             Esta atividade é  realizada no âmbito da Pesquisa Memória, teorias e práticas de Educação Libertária no Rio Grande do Sul, da Universidade Federal de Pelotas.

 

            Tem por objetivo resgatar essa memória perdida ou esquecida da educação realizado por anarquistas, pioneiros da Educação Popular bem como conhecer as experiências e processos realizados hoje pelos anarquistas em seus espaços autogestionários como as Okupa, as bibliotecas Libertária, comunidades de aprendizagem que retomam esse ethos libertário no processo de construção de saberes chamado Educação.

 

          Convidamos a todXs a participar dessa Jornada de troca de saberes sobre a Educação Libertária de ontem e de hoje.

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